A música “No Ceará é Assim”, imortalizada pelo cantor Raimundo Fagner em devoção à paisagem e à literatura do Estado, inspirou a professora Érika Machado Girão a construir um projeto de letramento literário concentrado em obras cearenses. Com título homônimo à canção, a iniciativa é sediada na Escola Municipal Professora Maria Stella Cochrane Santiago, no bairro Boa Vista, e envolve os alunos em atividades audiovisuais, a exemplo da produção de podcasts e trailers de livros.
No segundo bimestre deste ano, quando o projeto teve início, todas as quatro turmas do 9º ano foram convidadas a ler textos selecionados da coletânea “Dizem que os cães vêem coisas”, assinada pelo contista Moreira Campos. Na sequência da imersão, um novo desafio: produzir fanfics que traduzissem o que absorveram dos contos. A interação com o gênero textual digital é parte da dinâmica da proposta, que visa construir um diálogo entre a prática leitora e as novas tecnologias.
Com este intuito, o próximo título escolhido para motivar o corpo estudantil foi tema de uma gincana conectada às mídias digitais. Atividades relacionadas à obra “O Quinze”, da fortalezense Rachel de Queiroz, engajaram os alunos a criar conteúdos, contemplando as áreas de pesquisa, edição e estética. É o que relata a idealizadora Érika Machado, professora da Rede Municipal há 12 anos.
“Dividimos as salas em grupos e várias tarefas foram realizadas por eles. Na primeira atividade, as equipes precisavam caracterizar dois estudantes como personagens do livro. Em seguida, apresentavam esses personagens de forma criativa. Os principais exercícios envolveram a criação de um podcast, a elaboração de um booktrailer (trailer do livro) e um quiz realizado entre eles”, elenca, ressaltando que o projeto tem a função de estimular os discentes a serem autores das próprias ideias.
Dos contos aos romances, na avaliação da discente Ana Júlia, de 14 anos, a intenção de valorizar os literatos cearenses é “uma das partes mais interessantes”. “Os maiores escritores brasileiros nasceram no Ceará. Isso deveria ser mais considerado nas escolas do Brasil todo”, pondera.
A estudante Kaylane Matos, por sua vez, escolhe uma palavra para definir o sentimento de participar deste projeto que reverencia cânones da própria terra: “orgulho”. Segundo ela, antes de participar das aulas de literatura, a prática leitora não estava na sua lista de atividades prazerosas. “Quando li ‘O Quinze’, entendi mais sobre a seca e passei a gostar muito da história do Chico Bento, pois é tudo muito emocionante”.
Há também quem tenha considerado “fácil criar produtos em cima desses livros”. Isabel Barros, de 15 anos, explica: “pra mim, foi tranquilo escrever a fanfic, porque eu já gostava muito de ler esse gênero. Também amei fazer o trabalho sobre o livro ‘O Quinze’, porque sempre adorei a edição e, por isso, pude ajudar a montar o podcast e o booktrailer”. Acostumada a ler sozinha, a aluna diz que um dos maiores aprendizados está na coletividade. “Gosto de ouvir a ideia dos outros sobre o livro”, conclui.
Políticas de Rede
A inclusão de novas tecnologias na sala de aula é incorporada por políticas da Prefeitura de Fortaleza. Entre os 122 projetos contemplados, em 2022, pelo Edital de Financiamento de Boas Práticas, que visa a selecionar e financiar práticas pedagógicas inovadoras desenvolvidas nas unidades escolares da Rede Municipal, está o projeto “No Ceará é Assim”, que será financiado na categoria Linguagens.
Conforme Celma Fonseca, diretora da Escola Municipal Professora Maria Stella Cochrane Santiago, a explicação para o acolhimento da iniciativa está no ideal de que o ensino público deve ser pautado na humanização. Por acreditar nisso, o potencial de cada estudante é valorizado, e os professores são amparados em seus propósitos. Os bons resultados, acredita a gestora, são frutos do incentivo da Rede Municipal.
“Nós temos a Arca Literária, o Dia D da leitura, a Mostra Literária, entre outros projetos instigados pela Secretaria Municipal da Educação (SME). É este agrupamento de ações oferecidas que gera estímulo para acreditarmos nas nossas próprias ideias”, reconhece, acrescentando que “o protagonismo dos alunos é a palavra central” da Rede de Ensino.
Próximas trilhas literárias
Uma nova rota já está traçada na agenda do projeto: o romance “Cinco Minutos”, do escritor José de Alencar. Extrapolando a sala de aula, a ligação dos estudantes com os escritores também se fortalece por vivências em campo. Neste sentido, a Casa José de Alencar, onde o romancista viveu sua infância, receberá visita das turmas da unidade estudantil. Quem comemora a novidade é a aluna Nicole da Silva, que analisa o convívio literário como “uma forma de descobrir que temos diferentes capacidades”.
“Eu quero conhecer mais sobre esse autor que influenciou tanto a literatura brasileira. Para mim, é um grande sonho entrar na casa de um escritor querido por muitos outros escritores incríveis”, empolga-se. Reconhecer quem veio antes é algo sério para a estudante. Entre memórias e sonhos, o propósito final, diz ela, é fazer da visita ao centro cultural histórico uma oportunidade para “projetar o futuro”.