Destaque no Censo Escolar 2021 como a 3ª capital do Brasil em matrículas na Educação Inclusiva e a 1ª do Norte e Nordeste, Fortaleza é a cidade em que os números são representados por histórias. Rafael Amora, aluno da Escola Municipal Rogaciano Leite, leva a identidade LGBT e negra para a vida estudantil e artística. Raíssa Rodrigues, por sua vez, é mãe do estudante Guilherme Beliáqua e utiliza as redes sociais na defesa do ensino público como emancipador para pessoas com deficiência. Já o ex-discente da Escola Municipal Adroaldo Teixeira Castelo, Antônio David Sousa, tornou-se professor ao descobrir, na Rede Municipal, que educação pode ser sinônimo de acolhimento.
Em comum, os enredos trazem os avanços da Política de Educação Inclusiva de Fortaleza e foram narrados na mesa “Relatos de resiliência, enfrentamento e superação”, que integrou a programação do I Seminário Municipal em Diversidade e Inclusão: escola que acolhe. Realizada nesta quarta e quinta-feira (24/08 e 25/08), no Centro de Eventos, a iniciativa teve o intuito de proporcionar à comunidade escolar momentos de reflexão acerca dos desafios da educação inclusiva na contemporaneidade.
Na ocasião, Ângelo Oliveira, mediador do diálogo e professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE-Quixadá), enfatizou a relevância do fortalecimento destas pautas de formação para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA, todos representados entre os inscritos. “É uma alegria imensa participar deste momento e falar a partir de uma mesa tão potente. Temos que assumir o compromisso de desconstruir, como sociedade, as opressões históricas. Está na hora de nós contarmos uma outra história. Por isso, é da conta de todos nós lutarmos contra preconceitos e ouvirmos esta mesa tão representativa!”, acrescentou.
Narrativas compartilhadas
Recém participante do The Voice Brasil Kids, Rafael Amora, de 14 anos, é cantor, compositor e aluno da Escola Municipal Rogaciano Leite, no bairro José Walter. Feliz por “participar deste evento e poder levar a representatividade trans e negra” para os espaços de educação e arte, ele conta que os desafios também são constantes. “Desde os 10 anos de idade, quando eu comecei a descobrir quem sou, já tive que me preparar para sentir que o mundo não aceita pessoas diferentes do quadrado, que existem muitas formas de amar e outras possibilidades além do gênero designado quando nascemos. Esta é uma coisa que tem que ser debatida, falada, e eu fico muito feliz por ter esse local de fala e contribuir com este debate”.
Agregando às reflexões sobre práticas inclusivas, a maternidade de Raíssa Rodrigues sempre esteve atrelada a um esforço para que o filho, Guilherme Beliáqua, de 10 anos, se sentisse seguro durante a rotina escolar. Há dois anos, após passar pela rede privada, o estudante ingressou na Escola Municipal Maria Alice, no Papicu. “O Guilherme é autista, foi diagnosticado aos 3 anos. Na escola particular ele tinha muitas dificuldades. Descobri que na última aproveitavam o hiperfoco dele e o deixavam no cantinho brincando de lego. Esta foi uma das questões que me fizeram repensar”, relata a mãe.
Quando fez a matrícula da criança na Rede Municipal, continua ela, conseguiu encontrar o acolhimento que buscava “e hoje uso minhas redes sociais para falar sobre isso”. “A partir do momento em que eu deixo o Guilherme lá, eu sei que o meu filho está bem. Durante os anos que esteve na escola particular, ele não tinha o senso de igualdade, de entender as necessidades do outro, pois era privado de ter acesso a outras crianças. Na Maria Alice, ele começou a ter esse novo olhar. Além disso, a escola ainda me insere no cotidiano, faz com que eu tenha contato direto com a coordenação. O meu filho é acompanhado por uma itinerante e, hoje, ama a escola”.
Os alunos com deficiência matriculados na Rede de Ensino contam com Atendimento Educacional Especializado (AEE), no contraturno, seja nas 236 Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), em instituições conveniadas à Prefeitura, ou por meio de práticas pedagógicas inclusivas em sala de aula comum. Além disso, a Rede dispõe de 456 profissionais de apoio escolar que realizam acompanhamento desses alunos e mais 569 assistentes de inclusão escolar, profissionais novos que estão atuando na modalidade neste ano letivo de 2022.
A evolução das políticas públicas na Educação de Fortaleza ganhou viés biográfico por meio do depoimento de Antônio David de Sousa, ex-aluno da Escola Municipal Adroaldo Teixeira Castelo, atualmente com 34 anos e formado em pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). “Eu passei por muitos desafios na minha época de aluno, mas uma vez uma professora me disse: ‘David, me ensina como eu posso fazer com você’. E eu achei isso muito bom! O professor tem que se colocar no lugar do aluno. É o primeiro passo. Estou relatando a minha experiência pois ela pode servir para outras pessoas, mas a maior experiência que pode existir é o acolhimento, independente de ter ou não deficiência”, defende.
Prática ativa e formação continuada
O seminário, fruto do acolhimento de demandas e processo de escuta dos docentes, por meio do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sindiute), é um marco para a ampliação das ações contempladas na política de formação continuada dos profissionais da Rede Municipal de Fortaleza, com foco na Educação Inclusiva. Neste contexto, a professora Larisse Maranhão, da Escola Municipal Autran Nunes, participou do evento com a perspectiva de expandir a experiência curricular.
“A educação inclusiva já está na minha vida desde a graduação. Tenho alunos com diferentes deficiências desde que ingressei na Rede de Ensino. Trabalhar este assunto deve ser uma prática corriqueira para a gente, pois todos têm direito à educação”, afirma a docente, adicionando: “Este evento coloca em foco uma realidade que é presente desde sempre e a Rede tem nos proporcionado muitos elementos que podem colaborar com uma educação inclusiva real”.
Prova de que a missão do I Seminário Municipal em Diversidade e Inclusão foi cumprida é o relato da professora Eliabia de Abreu, do Centro de Educação Infantil Profa. Fernanda Maria de Alencar Colares, na Lagoa Redonda, que saiu sentindo-se privilegiada como educadora: “participar deste momento, em que somos convidadas a questionar e refletir sobre nossa prática e, ainda, temos a oportunidade da fala, nos lança esperança e conhecimento para continuar realizando em nosso cotidiano uma educação acolhedora e transformadora”. E, também, contemplada como mãe: “eu, como mãe de uma mulher trans/travesti, fico esperançosa com iniciativas como esta. É um ponta pé para muitas outras ações que podemos realizar”.