A Prefeitura de Fortaleza, por meio do Instituto José Frota (IJF) e em parceria com o Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ) e Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC), apresentou, em coletiva de imprensa, nesta sexta-feira (11/11), os resultados da primeira fase clínica da pesquisa pioneira que utiliza a pele de tilápia como curativo biológico para tratamento de queimaduras. A pesquisa começou a ser desenvolvida há dois anos e meio, contando com 11 etapas pré-clínicas. Em julho, foi iniciado o estudo em um grupo de 30 pacientes com queimaduras de 2º grau superficiais e graves, que representam 90% dos acidentes. A nova etapa da pesquisa teve índice de 94% de sucesso.
A pele da tilápia causa uma boa aderência na ferida e diminui o tempo de cicatrização, tamponando e evitando contaminação externa e perdas líquidas e proteicas. A pesquisa tem impacto, ainda, no meio ambiente e na economia, utilizando toneladas de pele que seriam descartadas e gerando mais emprego e renda.
Conforme o coordenador da pesquisa e presidente do IAQ, Edmar Maciel, 58 pacientes se voluntariam para a pesquisa e o tratamento será expandido para 100 pacientes no IJF. “Um fator importante é que não há troca de curativos diária, não causando dores e, dessa forma, o paciente não precisa se submeter a anestesias e analgésicos. No Brasil, nós utilizamos para tratamento de queimaduras a pomada de sulfadizina de prata. O tempo de cicatrização diminui de um dois dias porque que o curativo de pele da tilápia permanece numa queimadura de 2º grau até o período final de cicatrização. Já com outras aplicações de pomada, o curativo tem que ser renovado diariamente”, disse.
Para ser usada como curativo, a pele de tilápia é tratada e esterilizada em laboratórios próprios e irradiação em aparelhos para aplicação em camadas nas queimaduras. Depois disso, é coberta com gazes. As peles duram até 11 dias sem troca, secam e são retiradas facilmente do corpo do paciente. O peixe foi escolhido por ser criado em água doce de cativeiro, ser facilmente reprodutível, disseminar menos doenças que os animais terrestres e existirem em larga escala no Brasil.
O coordenador do Núcleo de Queimados do IJF, João Neto, avaliou que a resposta dos pacientes ao tratamento tem sido positiva. “Um dos nossos indicadores é o tempo de permanência dos pacientes na internação. Com a cicatrização mais eficaz, eles retornam mais rapidamente para casa. Como muitos são do interior e a maioria precisa voltar a trabalhar, isso significa um tratamento mais humanizado. Esse produto traz muitos benefícios, desde a humanização até a diminuição dos custos assistenciais, já que o paciente queimado é de grande complexidade e custo para o poder público”, afirmou. De janeiro a outubro de 2016, o Núcleo acolheu 3.204 pacientes, 2.514 de Fortaleza e 690 de outros Municípios.
É a primeira vez que pele animal é usada em tratamento para queimados no Brasil e o primeiro uso de pele de animal aquático no mundo. O tratamento local de queimaduras na rede pública é feito com uma pomada de sulfadizina de prata, enquanto nos Estados Unidos e Europa é feito com pele humana ou animal. O País, que estava 50 anos defasado em relação à comunidade internacional no tratamento de queimaduras, possui apenas quatro bancos de pele, sendo o preconizado pelo Ministério da Saúde o mínimo 13 bancos do tipo.
A garçonete Maria Inês Cândido é uma das pacientes que recebeu o tratamento com pele de tilápia no IJF. Há um mês, sofreu um acidente com o gás do self-service que trabalha na cidade de Russas, e queimou braço, mão, rosto e pescoço. For transferida, então, para iniciar os cuidados em Fortaleza. “Esse estudo me ajudou bastante, do começo ao fim. Aceitei logo de primeira e aconselho a todos que puderem a fazerem esse tratamento. A pele da tilápia foi colocada e trocada uma única vez no período de uma semana. Quando minha pele foi cicatrizando, o curativo da pele da tilápia foi secando e soltando aos poucos. É um tratamento rápido e que eu não senti dor. Em apenas um mês já estou me recuperando, me sinto bem melhor”, declarou.
O costureiro e artesão Gladson Lima também se voluntariou para o tratamento após uma queimadura de 2º grau na mão em um acidente com pólvora. “Não precisei nem de fisioterapia e creio que, com o outro tipo de curativo, eu precisaria, já que a pele ficaria imobilizada. Nesse tratamento eu não senti nenhuma dor e não teve nenhum tipo de sequela”, disse.
Expansão do tratamento
Com término previsto para julho de 2018, a pesquisa foi financiada pela Enel e conta com 44 colaboradores. No próximo ano, está previsto um estudo multicêntrico no Brasil, nos seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Goiânia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Em seguida, será feito um estudo fora do Brasil.
“Não sabemos quando esse tratamento estará disponível no mercado”, explicou Edmar Maciel, “o que a gente pretende é que, no futuro, o Ministério da saúde disponibilize isso para os centros de queimado gratuitamente, para que todos os pacientes tenham acesso a esse tratamento”, acrescentou.