28 de October de 2024 em Servidor

Onde faltava representatividade, ela criou espaços: Sue Ellen e o poder da inclusão na educação pública

A professora da Rede Municipal de Ensino inspira diariamente seus alunos e colegas de trabalho com questões de acessibilidade e de transformação de vidas por meio da educação


professora Sue Ellen com uma das suas alunas
Faço parte dos professores que educam os filhos da classe trabalhadora de Fortaleza, e isso traz uma grande responsabilidade. A educação liberta. Nós educamos para transformar a vida dessas crianças e famílias”, celebra (Foto: Tainá Cavalcante)

“Eu não tive uma professora com deficiência, mas meus alunos e meus filhos têm”, diz Sue Ellen, professora da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza, na Escola Municipal Raimundo de Moura Matos, no bairro Passaré. Funcionária pública desde o início de 2023, quando foi aprovada no último concurso da Secretaria Municipal da Educação (SME), Sue é cadeirante e convive com distrofia muscular. Para a professora, cada aula é uma chance de mostrar o impacto positivo da inclusão e do acesso à educação.

“A educação sempre foi o centro da minha vida como estudante. Sempre mantive uma ligação forte com a escola e com a docência”, relata a professora, que, na adolescência, já dava aulas de reforço para parentes e sonhava em ensinar. “Minha formação foi mista. Estudei parte em escola pública e, depois, consegui bolsa para um colégio particular.”

Aos 17 anos, no final do ensino médio, Sue engravidou de seu primeiro filho, João Arthur. Quase desistiu dos planos, mas, com o incentivo do pai, decidiu seguir e cursar pedagogia. “Meu pai me disse: ‘Você sempre foi professora. Lembro de você, quando criança, juntando as bonecas e dando aula. Você faz isso muito bem’.”

Durante a faculdade, porém, Sue recebeu o diagnóstico de distrofia. "Eu já fazia estágio em uma escola e, apesar de seguir meu sonho, temia o momento em que perderia a capacidade de andar e de atuar em sala. Esse processo de afastamento foi muito doloroso”, relembra. “Essa percepção vinha da falta de representatividade. Eu não tinha uma professora com deficiência como referência; então, como poderia me imaginar nesse papel?”, lembra Sue. Assim, passou um período afastada das salas de aula, trabalhando como assistente social em sua cidade-natal, Pacatuba.

Mesmo distante, o desejo de ensinar prevaleceu. “Decidi persistir no meu sonho de ser professora. Trabalhei por um tempo em Pacatuba, mas queria ser concursada, e a oportunidade veio com o último concurso da SME.” Aprovada no certame de 2022 e tomando posse em 2023, ela ingressou na Educação de Fortaleza ao lado de outros 1.822 novos professores, no maior concurso já realizado na capital cearense para a área.

Sabendo do concurso, Sue iniciou uma preparação intensa composta não só de estudos, mas também de terapias de reabilitação. “Eu sabia que era concorrido, mas não ia desistir de ser concursada e de voltar para a sala de aula. Então, fiz também uma reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek, já pensando em voltar para a sala. E deu certo: passei na primeira fase, na segunda, e na terceira, que era só classificatória, já estava tranquila. Meu sonho de ser servidora pública tinha se realizado”.

“Ser servidor público é uma das vocações mais nobres, porque significa servir ao povo, ao público. Faço parte dos professores que educam os filhos da classe trabalhadora de Fortaleza, e isso traz uma grande responsabilidade. A educação liberta. Nós educamos para transformar a vida dessas crianças e famílias”, celebra.

Josianne Fabrício acompanha a professora Sue nas atividades cotidianas da escola, ajudando a carregar materiais pesados, na escrita do quadro e em outras atividades que necessitam de maior locomoção. Desde 2022, a Rede Municipal de Ensino conta com assistentes de inclusão, hoje totalizando 1.189, que são voluntários e auxiliam, quando necessário, professores e estudantes com deficiência.

“No começo foi muito desafiador, pois era algo novo. Só que isso ganhou meu coração. Eu tenho aprendido mais com a Sue do que auxiliado ela. Ela é uma profissional excelente. Nós trabalhamos juntas, é uma parceria. Não é que eu vá fazer as coisas por ela, mas, quando ela não consegue, eu preciso estar ali para dar apoio e suporte”, comenta Josianne, que também é mãe de Ana Valentina, aluna da escola onde ela e Sue trabalham.

Além das lições pedagógicas, a Escola Municipal Raimundo de Moura Matos, onde Sue trabalha, passou por adaptações estruturais para maior acessibilidade. Desde sua chegada, a escola designou uma vaga exclusiva para PCD, instalou rampas e adaptou banheiros e portas para passagem de cadeira de rodas, promovendo um ambiente verdadeiramente inclusivo.

A inclusão nas escolas vai além de apenas adaptar o espaço físico; ela busca garantir que todos os professores, alunos e funcionários, independentemente de suas necessidades, sejam parte ativa da experiência educacional. Um ambiente inclusivo promove a equidade, onde cada estudante recebe suporte específico para atingir seu potencial e aprender em pé de igualdade.

Como relata Sue, incluir pessoas com deficiências ou necessidades especiais ajuda a construir uma geração mais empática e consciente das diferenças. Em um ambiente escolar inclusivo, as crianças aprendem a valorizar a diversidade e a colaborar de forma mais humanizada e solidária, levando esses valores para além do ambiente escolar.

“Estar no serviço público é um sonho, ainda mais como concursada, é fazer valer nossa capacidade de transformar vidas. Pretendo seguir estudando. Já fiz um mestrado em Educação e quero fazer o doutorado. Quero muito que minha voz chegue a outras escolas, a outros profissionais, a outras crianças. A inclusão precisa ser falada, mas falada por pessoas que vivenciam essa necessidade.”

Além do primeiro filho, João Arthur, Sue tem outra filha, Maria Flor, de seis anos, que também estuda na Escola Municipal Raimundo de Moura Matos. “Ela está aqui, mas sendo acompanhada por outra professora, até para ela não confundir os papéis de mãe e professora. Coloquei ela aqui porque acredito no meu trabalho e no de meus colegas; acredito na educação pública de qualidade. Ela vai continuar aqui até ela querer”.

Onde faltava representatividade, ela criou espaços: Sue Ellen e o poder da inclusão na educação pública

A professora da Rede Municipal de Ensino inspira diariamente seus alunos e colegas de trabalho com questões de acessibilidade e de transformação de vidas por meio da educação

professora Sue Ellen com uma das suas alunas
Faço parte dos professores que educam os filhos da classe trabalhadora de Fortaleza, e isso traz uma grande responsabilidade. A educação liberta. Nós educamos para transformar a vida dessas crianças e famílias”, celebra (Foto: Tainá Cavalcante)

“Eu não tive uma professora com deficiência, mas meus alunos e meus filhos têm”, diz Sue Ellen, professora da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza, na Escola Municipal Raimundo de Moura Matos, no bairro Passaré. Funcionária pública desde o início de 2023, quando foi aprovada no último concurso da Secretaria Municipal da Educação (SME), Sue é cadeirante e convive com distrofia muscular. Para a professora, cada aula é uma chance de mostrar o impacto positivo da inclusão e do acesso à educação.

“A educação sempre foi o centro da minha vida como estudante. Sempre mantive uma ligação forte com a escola e com a docência”, relata a professora, que, na adolescência, já dava aulas de reforço para parentes e sonhava em ensinar. “Minha formação foi mista. Estudei parte em escola pública e, depois, consegui bolsa para um colégio particular.”

Aos 17 anos, no final do ensino médio, Sue engravidou de seu primeiro filho, João Arthur. Quase desistiu dos planos, mas, com o incentivo do pai, decidiu seguir e cursar pedagogia. “Meu pai me disse: ‘Você sempre foi professora. Lembro de você, quando criança, juntando as bonecas e dando aula. Você faz isso muito bem’.”

Durante a faculdade, porém, Sue recebeu o diagnóstico de distrofia. "Eu já fazia estágio em uma escola e, apesar de seguir meu sonho, temia o momento em que perderia a capacidade de andar e de atuar em sala. Esse processo de afastamento foi muito doloroso”, relembra. “Essa percepção vinha da falta de representatividade. Eu não tinha uma professora com deficiência como referência; então, como poderia me imaginar nesse papel?”, lembra Sue. Assim, passou um período afastada das salas de aula, trabalhando como assistente social em sua cidade-natal, Pacatuba.

Mesmo distante, o desejo de ensinar prevaleceu. “Decidi persistir no meu sonho de ser professora. Trabalhei por um tempo em Pacatuba, mas queria ser concursada, e a oportunidade veio com o último concurso da SME.” Aprovada no certame de 2022 e tomando posse em 2023, ela ingressou na Educação de Fortaleza ao lado de outros 1.822 novos professores, no maior concurso já realizado na capital cearense para a área.

Sabendo do concurso, Sue iniciou uma preparação intensa composta não só de estudos, mas também de terapias de reabilitação. “Eu sabia que era concorrido, mas não ia desistir de ser concursada e de voltar para a sala de aula. Então, fiz também uma reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek, já pensando em voltar para a sala. E deu certo: passei na primeira fase, na segunda, e na terceira, que era só classificatória, já estava tranquila. Meu sonho de ser servidora pública tinha se realizado”.

“Ser servidor público é uma das vocações mais nobres, porque significa servir ao povo, ao público. Faço parte dos professores que educam os filhos da classe trabalhadora de Fortaleza, e isso traz uma grande responsabilidade. A educação liberta. Nós educamos para transformar a vida dessas crianças e famílias”, celebra.

Josianne Fabrício acompanha a professora Sue nas atividades cotidianas da escola, ajudando a carregar materiais pesados, na escrita do quadro e em outras atividades que necessitam de maior locomoção. Desde 2022, a Rede Municipal de Ensino conta com assistentes de inclusão, hoje totalizando 1.189, que são voluntários e auxiliam, quando necessário, professores e estudantes com deficiência.

“No começo foi muito desafiador, pois era algo novo. Só que isso ganhou meu coração. Eu tenho aprendido mais com a Sue do que auxiliado ela. Ela é uma profissional excelente. Nós trabalhamos juntas, é uma parceria. Não é que eu vá fazer as coisas por ela, mas, quando ela não consegue, eu preciso estar ali para dar apoio e suporte”, comenta Josianne, que também é mãe de Ana Valentina, aluna da escola onde ela e Sue trabalham.

Além das lições pedagógicas, a Escola Municipal Raimundo de Moura Matos, onde Sue trabalha, passou por adaptações estruturais para maior acessibilidade. Desde sua chegada, a escola designou uma vaga exclusiva para PCD, instalou rampas e adaptou banheiros e portas para passagem de cadeira de rodas, promovendo um ambiente verdadeiramente inclusivo.

A inclusão nas escolas vai além de apenas adaptar o espaço físico; ela busca garantir que todos os professores, alunos e funcionários, independentemente de suas necessidades, sejam parte ativa da experiência educacional. Um ambiente inclusivo promove a equidade, onde cada estudante recebe suporte específico para atingir seu potencial e aprender em pé de igualdade.

Como relata Sue, incluir pessoas com deficiências ou necessidades especiais ajuda a construir uma geração mais empática e consciente das diferenças. Em um ambiente escolar inclusivo, as crianças aprendem a valorizar a diversidade e a colaborar de forma mais humanizada e solidária, levando esses valores para além do ambiente escolar.

“Estar no serviço público é um sonho, ainda mais como concursada, é fazer valer nossa capacidade de transformar vidas. Pretendo seguir estudando. Já fiz um mestrado em Educação e quero fazer o doutorado. Quero muito que minha voz chegue a outras escolas, a outros profissionais, a outras crianças. A inclusão precisa ser falada, mas falada por pessoas que vivenciam essa necessidade.”

Além do primeiro filho, João Arthur, Sue tem outra filha, Maria Flor, de seis anos, que também estuda na Escola Municipal Raimundo de Moura Matos. “Ela está aqui, mas sendo acompanhada por outra professora, até para ela não confundir os papéis de mãe e professora. Coloquei ela aqui porque acredito no meu trabalho e no de meus colegas; acredito na educação pública de qualidade. Ela vai continuar aqui até ela querer”.