Desde sua emergência na década de 1960, em Nova York, a cultura ballroom tem sido um espaço de expressão cultural e resistência política e social para a comunidade LGBTQIAP+. As balls, eventos conhecidos pela exaltação à arte do vogue e do desfile, são espaços não só de celebração, mas também de acolhimento, onde o conceito de família é redefinido, proporcionando um refúgio seguro para jovens marginalizados. Em Fortaleza, a cultura ballroom encontrou um lar na Rede Cuca, mais precisamente no Cuca Barra, local onde foi realizada a primeira ball do Ceará, em 2018.
De lá para cá, o movimento ganhou força na cidade e os equipamentos mantidos pela Prefeitura de Fortaleza se consolidaram como espaço de referência para a juventude que participa das balls. Somente neste mês, quando se celebra o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, em 28 de junho, serão realizadas quatro balls na Rede Cuca: a primeira aconteceu dia 12 de junho, no Cuca Barra; e as próximas serão quarta-feira (26/06), nos Cucas Pici e José Walter, e quinta-feira (27/06), no Cuca Pici.
“Como política pública de juventude que tem como base a inclusão, a Rede Cuca sempre se apresentou como espaço de acolhimento da cultura ballroom, um movimento importantíssimo, símbolo de resistência da juventude LGBTQIAP + e periférica da cidade. É notório o crescimento da cultura nos equipamentos de juventude. Além do apoio para visibilidade e desenvolvimento da cena em Fortaleza, buscamos ser esse lugar onde as juventudes possam ser quem elas querem ser, em que se sintam acolhidas e seguras”, destaca Mairla Mara, diretora de Direitos Humanos, Cidadania e Meio Ambiente da Rede Cuca.
Apenas em 2023, a Rede Cuca realizou mais de 37 atividades sobre direitos da população LGBTQIAP+ e um total de 14 ballrooms nos cinco equipamentos da Rede. Para Mairla, as ações são reflexo do compromisso da Rede Cuca em garantir o suporte necessários para jovens serem protagonistas. “Nosso papel é garantir o acesso da comunidade aos equipamentos, não apenas com a cessão dos espaços, mas também com apoio mais amplo de estrutura, suporte financeiro tanto com ajuda de custo, programa de bolsas, insumos e divulgação”.
Espaço de lutas
Para além do entretenimento das competições e manifestações artísticas que envolvem os eventos, a cultura ballroom é um movimento político importante na luta LGBTQIAP+. A estrutura das "houses" (casas), como são chamados os coletivos que participam das ballrooms, cria figuras de mães ou pais e filhos, transformando a cena em um refúgio contra violências frequentemente sofridas por várias pessoas da comunidade. É nesse movimento em que jovens como Kally Alencar e Lara Marchella têm encontrado apoio, oportunidades e uma plataforma para expressar sua identidade e criatividade.
Monitora do programa Futuros da Rede Cuca, Kally Alencar, de 19 anos, começou a se interessar pelo universo em 2018, quando assistiu à série “Pose”, que trouxe a ballroom de volta aos holofotes cinematográficos. O processo de conhecer e participar do movimento mexeu com a vida pessoal e profissional da jovem. "A cultura ballroom teve muito impacto na minha vida pessoal, por me fazer reconhecer enquanto uma pessoa trans", explica. "Ao longo do tempo, fui fazendo parte de produções de balls, de júri, produzindo balls também. Isso deu um retorno financeiro e um aprimoramento profissional para mim”, completa.
Hoje reconhecida como uma das protagonistas do movimento no Cuca José Walter, Kally destaca a importância da Rede Cuca para a cultura ballroom em Fortaleza. "As principais balls acontecem entre os Cucas até hoje, então não tem outro local que a gente tenha como apoio e suporte, senão a Rede Cuca", pontua. Além de disponibilizar o espaço, a Rede Cuca oferece equipamentos e formação em diversas áreas, como produção de eventos, iluminação, fotografia e maquiagem.
Lugar de expressão
Aos 21 anos, Lara Marchella é uma das jovens que se destacam na cena do Cuca Mondubim. Bolsista do programa Futuros no setor de Cultura, ela encontrou na ballroom um refúgio e suporte para sua expressão artística. Dançarina desde os 13 anos, ela também despertou para a cultura ballroom em 2018, após ver o vídeo da icônica dançarina de Vogue, Leiomy Maldonado.
Para ela, conhecer a ballroom representou mais do que apenas uma nova forma de dançar. "Quando eu entrei na ballroom, estava no início da minha transição. O impacto pessoal foi ter um local que me acolhia, pois eu era uma pessoa trans e a comunidade ballroom foi criada por uma pessoa trans, travesti e preta", explica. O acolhimento foi crucial, oferecendo um espaço seguro em um mundo frequentemente hostil para pessoas trans.
Hoje, Marchella tem sua própria “house” chamada “Kiki House of Afeminyx” e reforça a necessidade de apoio. “A cultura é preta, marginalizada, periférica, e nossas vidas já estão debilitadas financeiramente. Para vivenciar a cultura, ir a um ball, produzir um ball, é muito caro. Falta verba para a cultura continuar viva", afirma.
Para Kally, a apropriação cultural e a falta de reconhecimento também são desafios. "Muitas cantoras e artistas tiram muitas coisas da cultura ballroom, muito da cultura pop vem da ballroom e ainda não são reconhecidas. Nosso trabalho não recebe o devido reconhecimento, especialmente o reconhecimento financeiro", diz a jovem.