“Antes, eu pensava que era parda. Na escola, entendi que sou branca. Foi com meus professores que aprendi sobre a importância de fazer a declaração racial”, relata a aluna Adélia Ferreira, do 9º ano da Escola de Tempo Integral (ETI) Hildete Brasil de Sá Cavalcante, no Mondubim. Adélia e outros mais de 238 mil estudantes matriculados na Rede Municipal de Ensino participaram da sensibilização feita nos últimos meses para o preenchimento da declaração racial, processo voluntário que permite aos estudantes informarem como se identificam em termos de raça e etnia. O resultado dessa mobilização foi que Fortaleza registrou a declaração de 99,99% dos estudantes, de acordo com dados gerenciais do Sistema de Gestão Educacional (SGE).
Antes da mobilização, 48% dos alunos estavam com a informação de raça/etnia não declarada. Após uma série de ações educativas das unidades escolares, esses estudantes tiveram a atualização do dado no sistema educacional.
Esse preenchimento permite a criação de políticas públicas que promovam igualdade racial, impactam nas verbas públicas e evitam o apagamento racial e o não reconhecimento identitário de populações historicamente desfavorecidas.
O número atualizado já superou a meta definida pelo Censo Escolar para 2024, que seria 80% do público registrado. O Censo é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Entre as ações desenvolvidas em Fortaleza para alcançar esse objetivo, estiveram as iniciativas: formação para a comunidade escolar sobre a relevância da declaração; reuniões com todos os diretores; encontros com os pais e acompanhamento cotidiano dos registros nas escolas. Outra estratégia adotada foi a elaboração de um guia sobre a importância da autodeclaração racial.
A partir deste ano de 2024, os alunos maiores de 16 anos puderam indicar sua autodeclaração no ato de matrícula. Já os menores foram representados pelos pais ou responsáveis.
A coordenadora da Educação Inclusiva da Rede Municipal, Mônica Costa, explica que esses dados refletem a diversidade étnico-racial dos estudantes e enriquecem o planejamento das políticas públicas em Fortaleza e em todo Brasil. “Sabemos que cerca de 80% dos nossos estudantes pertencem à raça negra, entre pardos e pretos. Então isso é um dado fundamental para a compreensão da nossa realidade educacional e para que a Rede qualifique ainda mais as ações e as políticas que já desenvolvemos”, observa.
Para além dessa mobilização, Mônica afirma que as relações étnico-raciais já fazem parte das práticas curriculares da educação municipal. “Temos uma Rede de Ensino potente e que já vem, há muito tempo, contemplando a temática racial em sala de aula. A Lei 10.639 já completou 20 anos, em que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Em 2023, a Rede lançou o Selo Escola Antirracista para dar visibilidade a práticas pedagógicas sobre a temática nas unidades”, pontua.
Selo Escola Antirracista
Para se inscrever no Selo Escola Antirracista, cada unidade escolar elaborou um plano com ações antirracistas planejadas para 2024 e montou uma comissão antirracista, que, conforme o edital, deveria ser composta pelo gestor da unidade escolar ou coordenador, dois professores e quatro estudantes. Entre as atribuições desta equipe, estão a elaboração do plano de ação do selo; a sistematização de evidências das atividades desenvolvidas e a construção do portfólio com as ações realizadas ao longo do ano letivo. Este ano, todas as unidades escolares da Rede se inscreveram e já estão desenvolvendo as atividades.
Na ETI Hildete Brasil de Sá Cavalcante, por exemplo, já foi formada a comissão que está desenvolvendo o plano de ação para concorrer ao selo. Os professores Joaquim Maria Gomes Ferreira e Larissa Lima fazem parte do grupo. Larissa explica que um dos trabalhos é realizado em sala de aula, com letramento racial para alunos a partir do 7º ano. “A educação transforma e remove barreiras. Eu me reconheci como negra aos 18 anos e tenho um aluno com 14 anos que já sabe que é preto. Quatro anos de diferença. Isso já muda muita coisa. É um trabalho de educação racial que vai colher frutos no futuro”, avalia.
O educador Joaquim cita outros projetos desenvolvidos na escola, como a disciplina eletiva Africanizando, voltada para o antirracismo; o projeto Letra Preta.lab, que promove a divulgação da literatura de autoria da comunidade negra; e a Feira Africanidades, que é a exposição dos trabalhos realizados ao longo do ano. Membro do movimento negro, o professor completa que "parte da nossa luta é o acesso à educação. Lutamos para os alunos terem conhecimento da sua raça nas escolas. Avalio que o selo vem para incentivar isso”.